A voltar à nostalgia do secundário e a reaprender a amar literatura...

Nos últimos dias tenho pensado em muito do que gostava e que meio abandonei na minha vida actual.
Hoje passei quase uma hora pela Bertrand e passei os dedos pelos livros, peguei-lhes, abri-os, folheei-os...
Que bem me senti, que saudades de ler, dos livros que já li e dos que ainda nem conheço.
Como já devem ter reparado aqui ao lado, estou normalmente a ler, mas este último não é tanto o que estava à espera e faz-me sentir falta dos clássicos...

Recordo-me por exemplo de: Os Lusíadas, A história do gato que ensinou a gaivota a voar, O mundo de Sofia, entre tantos outros que adorei ler (não chamando para aqui os de fantasia, que isso é outro capítulo).

Por agora deixo-vos com Fernando Pessoa, esse senhor que também fala de amor, e que lindas cartas escreveu à senhora dona Ofélia...


Creio no mundo como num malmequer,

Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender... 



O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo... 



Eu não tenho filosofia; tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...

...


Ophelinha:


Agradeço a sua carta. Ella trouxe-me pena e allivio ao mesmo tempo. Pena, porque estas cousas fazem sempre pena; allivio, porque, na verdade, a unica solução é essa – o não prolongarmos mais uma situação que não tem já a justificação do amor, nem de uma parte nem de outra. Da minha, ao menos, fica uma estima profunda, uma amisade inalteravel. Não me nega a Ophelinha outro tanto, não é verdade?
Nem a Ophelinha, nem eu, temos culpa nisto. Só o Destino terá culpa, se o Destino fosse gente, a quem culpas se attribuissem.
O Tempo, que envelhece as faces e os cabellos, envelhece tambem, mas mais depressa ainda, as affeições violentas. A maioria da gente, porque é estupida, consegue não dar por isso, e julga
que ainda ama porque contrahiu o habito de se sentir a amar. Se assim não fosse, não havia gente no mundo. As creaturas superiores, porém, são privadas da possibilidade d’essa illusão, porque nem
podem crer que o amor dure, nem, quando o sentem acabado, se enganam tomando por elle a estima, ou a gratidão, que elle deixou.
Estas cousas fazem soffrer, mas o soffrimento passa. Se a vida, que é tudo, passa por fim, como não hão de passar o amor e a dor, e todas as mais cousas, que não são mais que partes da vida?
Na sua carta é injusta para commigo, mas comprehendo e desculpo; decerto a escreveu com irritação, talvez mesmo com magua, mas a maioria da gente – homens ou mulheres – escreveria, no seu caso, num tom ainda mais acerbo, e em termos ainda mais injustos. Mas a Ophelinha tem um feitio optimo, e mesmo a sua irritação não consegue ter maldade. Quando casar, se não tiver a felicidade que merece, por certo que não será sua a culpa.
Quanto a mim…
O amor passou. Mas conservo-lhe uma affeição inalteravel, e não esquecerei nunca - nunca, creia - nem a sua figurinha engraçada e os seus modos de pequenina, nem a sua ternura, a sua dedicação, a sua indole amoravel. Pode ser que me engane, e que estas qualidades, que lhe attribúo, fossem uma illusão minha; mas nem creio que fossem, nem, a terem sido, seria desprimor para mim que lh’as attribuisse.
Não sei o que quer que lhe devolva – cartas ou que mais. Eu preferia não lhe devolver nada, e conservar as suas cartinhas como memoria viva de um passado morto, como todos os passados; como alguma cousa de commovedor numa vida, como a minha, em que o progresso nos annos é par do progresso na infelicidade e na desillusão.
Peço que não faça como a gente vulgar, que é sempre reles; que não me volte a cara quando passe por si, nem tenha de mim uma recordação em que entre o rancor. Fiquemos, um perante o outro, como dois conhecidos desde a infancia, que se amaram um pouco quando meninos, e, embora na vida adulta sigam outras affeições e outros caminhos, conservam sempre, num escaninho da alma, a
memoria profunda do seu amor antigo e inutil.
Que isto de «outras affeições» e de «outros caminhos» é consigo, Ophelinha, e não commigo. O meu destino pertence a outra Lei, de cuja existencia a Ophelinha nem sabe, e está subordinado cada vez mais á obediência a Mestres que não permittem nem perdoam.
Não é necessário que comprehenda isto. Basta que me conserve com carinho na sua
lembrança, como eu, inalteravelmente, a conservarei na minha.
Fernando
29/XI/1920


Ok, sou uma incorrigível e continuo a viver nas histórias (livros, filmes, séries) o que não posso viver na vida real. E então, há algum mal nisso? Preciso de histórias que me apaixonem, que me façam pensar mas com perspectiva de quem assiste. Preciso de sentimentos bons que nem sempre tenho oportunidade de experienciar na vida real. Se isso é crime, sim sou culpada. Culpada de amar histórias, culpada de me alimentar delas e culpada de viver na fantasia de vidas que não são a minha. E então, que me pode culpar?

Pois quem nunca pecou, que atire a primeira pedra!

Beijinhos e boa noite

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