A MÃE (da Carolina)

Capítulo III

Filipa é uma mulher independente, com uma infância difícil no seio de uma família de seis irmãos, onde reinava a pobreza, a ignorância, o alcoolismo e as traições. Impossibilitada de estudar pelos pais, cedo teve de deixar a sua casa e a sua aldeia e rumar a Lisboa, para trabalhar, à semelhança da irmã mais velha com quem nunca se deu bem.
Conheceu o Manuel, num jardim de Lisboa, tinha então 19 anos. Foi um encontro com toques de romantismo e espontaneidade, onde conheceu um homem da sua idade, bonito, aparentemente educado e responsável, tendo aceitado marcar novo encontro para o dia seguinte.
Acabou apaixonada, engravidou. Não que o planeasse, mas aconteceu. Decidiram ter o bebé, estavam a viver juntos e gostavam um do outro. As coisas nem sempre correram pelo melhor com a sogra. Ema não os deixava em paz e foi o que a motivou a convencer o Manuel a voltarem para a sua terra natal. O bebé era uma menina e as coisas acalmaram por um tempo, apesar duma visita inesperada de Ema para ameaçar Filipa durante a gravidez. O casamento não estava a ser o mar de rosas que se esperava devido aos deslizes extraconjugais de Manuel e à sua tendência para acumular dívidas. Entretanto o irmão mais chegado de Filipa morreu num acidente e ela entrou em depressão. Estava medicada quando aconteceu o segundo bebé não planeado… mais uma vez as coisas não correram bem e a sogra decidiu fazer nova visita, desta vez não presencial. Enviou-lhe um kit com medicação para realizar um aborto.
O segundo bebé acabou por nascer, mas desta vez Filipa ganhou coragem e separou-se. Ficou com duas crianças, sozinha, desempregada e com muito pouco suporte familiar. Acabou por conhecer um homem mais velho, com idade até para ser seu pai, o Paulo. Não é particularmente bonito mas tem-se mostrado atencioso e consegue transmitir-lhe a segurança que precisa neste momento, não só financeira como se possa pensar, mas emocional. Fá-la sentir-se uma grande mulher, bonita e inteligente, como de facto é mas há muito não sentia. Estão juntos há cerca de 8 anos e as coisas têm corrido bem, pelo menos até agora. Começou a trabalhar para ele, na sua empresa e compraram uma casa, onde vivem, embora esta esteja apenas em nome dele.
Filipa está muito preocupada com a filha, apesar de Carolina não ter revelado grandes mudanças comportamentais, pois continua a ser a menina respondona e espevitada de sempre, tem-se mostrado mais agressiva. Preocupa-a o facto de o ex-marido nuca ter conseguido separar os filhos dos aguisados da sua vida pós-segundo-casamento. Sempre tentou proteger os filhos, mas por esta altura começa a questionar-se se o terá feito da melhor maneira. As notas de Carolina baixaram um pouco, apesar de não ser ainda uma diminuição relevante, e descobriu outros pormenores – Carolina tem faltado a algumas aulas. Para agravar a situação, Filipa descobriu a sua assinatura falsificada por Carolina em algumas justificações de faltas e isso deixa-a apreensiva dado que a faz recordar-se das vezes que o ex-marido fez o mesmo, deixando-a com dívidas que ainda hoje, dez anos depois, se encontra a pagar. Está neste momento a questionar-se se educou a filha da maneira correta e se esta estará a revelar agora características herdadas do seu pai, apesar do escasso convívio que tiveram ao longo destes quinze anos.
Não quer continuar a discutir com a filha, mas não pode deixar passar em branco as suas últimas atitudes. Tenta chamá-la à razão, mas Carolina fecha-se em copas. Não o demonstra e mantém a postura inflexível, no entanto Filipa está destroçada e mais uma vez volta a questionar-se se estará a errar como mãe. Apesar das dúvidas decide manter o pulso firme e a rédea curta, Carolina ficará de castigo nos próximos tempos. Também não gosta do namorado novo da filha. É mais velho e um dos rufias lá da escola, não gosta da forma como controla Carolina e acha que este a influencia negativamente. Sim, definitivamente o castigo será uma resolução para dois problemas. Uma punição para o seu mau comportamento e uma protecção de alguém que, a continuar neste rumo, ainda a vai magoar bastante.
O passado de Filipa é algo que determina o seu presente de uma forma que chega a ser consciente. Sabe que a relação com a sua mãe influencia de forma vincada a relação que estabelece diariamente com os seus filhos. Nunca se deu bem com a mãe, como já foi referido, o enredo familiar de Filipa é uma teia com muitos fios e a sua mãe é apenas um desses fios. Um fio de piso escorregadio, difícil de seguir. Sempre se sentiu negligenciada pela mãe, em prol da sua irmã. Tem conhecimento das escapadelas extraconjugais da mãe e sempre pensou que a mãe não gostava mais da irmã por esta ser filha do homem que sempre amou, que não era o seu marido. Em contrapartida, crê que o desamor que a mãe sempre sentiu pelo seu pai, um marido alcoólico com quem foi obrigada a casar, lhe foi direccionado desde o seu nascimento.
Aprendeu a amar os filhos como gostaria que a sua mãe a tivesse amado. Não foi um comportamento difícil para Filipa, em parte devido à característica maternal, tão pronunciada na sua personalidade. Nos últimos anos esta característica foi aprimorada, com o relacionamento bem-sucedido com uma mulher para quem começou a trabalhar. Esta mulher, que por motivos que não interessam nesta história, será chamada de Senhora. E Filipa desenvolveu com a Senhora a relação de mãe-filha que nunca teve com a sua mãe biológica. É alguém de quem gosta muito, com quem gosta de conversar e de quem gosta de ouvir conselhos. Tem sido uma grande ajuda nas decisões que tem tomado na educação dos seus filhos, em especial de Carolina, que ultimamente tantas preocupações lhe tem dado.
O seu relacionamento amoroso, ultimamente, também não tem sido um mar de rosas, as discussões são frequentes, embora as consiga esconder dos miúdos. Na base da discórdia estão informações que Filipa descobriu sobre o actual companheiro, escondidas no recôndito escritório lá de casa que há alguns meses começou a estar fechado à chave. Informações que a deixam confusa, furiosa, desiludida e revoltada. Chegou à conclusão que talvez seja melhor separar-se, enquanto ainda tem alguma margem de manobra, para sair desta situação de forma digna e protegendo os filhos, adolescentes, crianças para ela. Terá de ser tudo feito com muita calma para não prejudicar a rotina dos filhos e para que não percepcionem o stress que está a vivenciar. Apesar de todo o seu cuidado até agora, desconfia que a Carolina se apercebeu que algo não está bem. Não tem feito perguntas, mas já demonstrou o seu apoio por diversas vezes, numa conversa muda em que o olhar diz quase tudo. Ou então é o subconsciente a pregar-lhe partidas e está a ver o que quer ver, na busca por embelezar a relação ultimamente tão conflituosa com a sua filha.
Filipa já apresentou queixa na Polícia de Segurança Pública de Abrantes, relativamente ao que descobriu sobre o companheiro – que será revelado mais adiante – mas misteriosamente os registos da queixa desapareceram e nada foi feito. Está claro que há agentes policiais envolvidos nos esquemas do companheiro. Decidiu recorrer a outro tipo de instituição e quis apresentar queixa na Guarda Nacional Republicana de Santarém, que infelizmente revelou compreender a sua situação mas que nada podia ser feito sem uma queixa oficializada na PSP de Abrantes, para que esta abrisse um inquérito e a segunda pudesse actuar. Ninguém sabe o que tem feito. É necessário manter o segredo para já, dado que não sabe quantas pessoas estão envolvidas com Paulo e porque também não tem grandes amigos em quem confie.

Sente-se só, a carregar uma cruz que não é a sua, e sem ninguém para a auxiliar. Nunca foi de grandes amizades, é o que acontece quando se é traído vezes sem conta pela própria família. Aprende-se, na sua perspectiva, a não confiar em ninguém, a não ser em si própria. Ao longo da sua vida teve apenas duas grandes amigas. Duas amizades que duraram quase metade da idade que tem, neste momento, e que acabaram num segundo. Acabaram quando Filipa se sentiu usada. Sempre se considerou uma amiga com quem podiam contar em todos os momentos bons e maus, esteve sempre lá. Emprestou dinheiro, testemunhou em tribunal, deu cama, arranjou trabalho, deu o que pôde quando as amigas precisaram. Um dia, quando foi ela a precisar, percebeu que estava sozinha. Ninguém esteve lá para a ajudar. Não se considera uma pessoa de guardar rancores, de odiar quem lhe fez mal, mas também não é de perdão fácil e mesmo quando perdoa não esquece. Dificilmente volta a confiar numa pessoa que a tenha feito sentir-se traída. Sente-se só, convive com muitas pessoas, mas não há ninguém em quem confie a 100%.

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